FOLHA DE SÃO PAULO | ILUSTRÍSSIMA | 21/11/2021
Nilton Bonder explica o judaísmo dosado de Deborah Colker em 'Cura'
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Pedro Bial conversa com a coreógrafa Deborah Colker, avó de um menino de 12 anos cuja doença provoca bolhas na pele ao menor contato e com o rabino e dramaturgo Nilton Bonder sobre o novo espetáculo 'Cura'.

Assista na íntegra!

 

COMPANHIA DE DANÇA DEBORAH COLKER em CURA

Deborah Colker dedicou seu tempo, nos últimos anos, a buscar uma cura. No caso, uma solução para a doença genética que seu neto tem, a epidermólise bolhosa. Dessa angústia pessoal nasceu o novo trabalho da Cia. Deborah Colker, um espetáculo que vai muito além do aspecto autobiográfico. “Cura” trata de ciência, fé, da luta para superar e aceitar nossos limites, do enfrentamento da discriminação e do preconceito. A dramaturgia é do rabino Nilton Bonder e a trilha original é de Carlinhos Brown.

Bradesco Seguros apresenta “Cura”, que também tem patrocínio do Instituto Cultural Vale, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. O espetáculo estreia em 6 de outubro, na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro.

A coreógrafa concebeu o projeto em 2017, mas foi no ano seguinte, com a morte de Stephen Hawking, que encontrou o conceito. Embora acometido por uma doença degenerativa, a ELA (Esclerose lateral amiotrófica), o cientista britânico viveu até os 76 anos e se tornou um dos nomes mais importantes da história da física. Deborah percebeu que há outras formas de cura além das que a medicina possibilita.

– Quando foi diagnosticado, os médicos deram a Hawking três anos de vida. Ele viveu mais 50, criativos e iluminados. Entendi o que é a cura do que não tem cura – conta.
A estreia aconteceria em Londres em 2020, mas a pandemia não permitiu. O adiamento deu ao espetáculo mais um ano de pesquisas, transformações e reflexões.

– A pandemia me fez ter certeza de que não era apenas da doença física que eu queria falar. A cura que eu quero não se dá com vacina – afirma.

Há dores mostradas no palco, mas há esperança no final. Ela diz que procurou preservar a alegria necessária à vida. Um ingrediente para isso foi a semana que passou em Moçambique durante a preparação, quando conheceu pessoas que não perdiam a vontade de viver, apesar das muitas dificuldades.

– Fui procurar a cura e encontrei a alegria.

Deborah incorporou ao espetáculo referências das três religiões monoteístas e elementos de culturas africanas, indígenas e orientais. Logo no início, conta-se a história de Obaluaê, orixá das doenças e das curas.

– A ponte entre fé e ciência me ajudou muito. Fui experimentar o invisível, a sabedoria do invisível – diz. Numa cerimônia realizada quando da morte do seu pai, Deborah conheceu o rabino Nilton Bonder, autor de “A alma imoral” e muitos outros livros. Ao planejar “Cura”, decidiu convidá-lo para desenvolver a dramaturgia. Dentre tantas contribuições, ele ressaltou que “pedir é curar”, ideia que gerou uma cena. Também apontou que “a grande cura é a morte”, o que motivou uma coreografia com dois bailarinos dançando ao som de “You want it darker”, de Leonard Cohen.

– O espetáculo apresenta todos os recursos imunitários e humanitários em aliança pela cura. A ciência, a fé, a solidariedade e a ancestralidade são o coquetel de cura do que não tem cura. Concebido antes desta pandemia, o título não é um “conceito”, mas um grito! – afirma Bonder. Carlinhos Brown foi convidado, inicialmente, para compor apenas o tema de Obaluê. Acabou criando praticamente toda a trilha, inclusive a canção inicial, dos versos “Traga meu sorriso para dentro” e “Sou mais forte do que a minha dor”.

– A música veio na minha cabeça logo depois da primeira conversa com Deborah. Eu pensei: “Isso é um chamado, não é uma trilha normal”. É um trabalho muito mais profundo do que “Carlinhos está fazendo uma trilha” – diz o músico. Ele canta em português, ioruba e até em aramaico. Os 13 bailarinos também cantam, em hebraico e em línguas africanas. É algo que acontece pela primeira vez nos 27 anos de história da companhia. Fundador da companhia ao lado de Deborah, o diretor executivo João Elias vê em “Cura” um passo ainda maior que o dado pela coreógrafa no trabalho anterior, “Cão sem plumas” (2017), baseado no poema de João Cabral de Melo Neto.
– Quando começou a coreografar, Deborah era mais abstrata, formal. Depois, passou a contar histórias, aprimorar dramaturgias. “Cão sem plumas” já era um espetáculo visceral, emocionante. “Cura” é ainda mais, mostra um grande amadurecimento – analisa ele. Companheiro de Deborah em toda a trajetória, o cenógrafo e diretor de arte Gringo Cardia é outro que destaca a importância de “Cura” para a artista.

– Ela era toda ciência. Passou por um crescimento espiritual. Foi conversar com Deus neste espetáculo – afirma. Sua assinatura está nas duas rampas que dão aos movimentos dos bailarinos a sensação de desequilíbrio. E também está nas caixas que, entre várias funções, formam um muro.z

– O muro passa a imagem de um grande obstáculo, mas ele se divide em vários pedaços. Então, é possível atravessá-lo. É como a gente faz nas nossas vidas – diz Gringo.
Nos figurinos de Claudia Kopke – que esteve em “Cão sem plumas” – as pernas podem ter estilos bem diferentes, traduzindo o desequilíbrio que é um dos nortes do espetáculo.

– Os bailarinos têm as cabeças cobertas, usam balaclavas, mas o final é dourado, de alegria – explica. O iluminador Maneco Quinderé, que só havia trabalhado com a companhia em “Vulcão” (1994), também criou uma luz fragmentada, como sugerem as ideias de “Cura”. O final tem brilho, indicando renascimento.
– Cada segmento tem suas características, e eles formam um caleidoscópio – diz ele.

FICHA TECNICA

Criação, Coreografia e Direção DEBORAH COLKER
Direção Executiva JOÃO ELIAS
Música CARLINHOS BROWN
Direção de Arte e Cenografia GRINGO CARDIA
Dramaturgia NILTON BONDER
Figurino CLAUDIA KOPKE
Desenho de Luz MANECO QUINDERÉ
Assessoria de Imprensa FACTORIA COMUNICAÇÃO

Realização JE PRODUÇÕES LTDA.